Morte cruel da API do Twitter com sinais de brutalidade
O ano é 1991 e Tim Berners-Lee havia acabado de criar o que hoje conhecemos como Web. Ele não sabia, mas havia um brilhante futuro à frente, com a criação de aplicativos que utilizariam seu recém-criado protocolo HTTP. Também não sabia que um conceito, já conhecido da programação de computadores à época, seria transportado para a Web: as APIs.
API é uma sigla em inglês, que significa Application Programming Interface. Em bom português, “Interface de Programação de Aplicações”. São as centenas de milhares de APIs que nos conectam ao mundo. É através de uma API que o jogo “Colheita Feliz” podia saber quem eram seus “vizinhos”, o que eles estavam fazendo e criar uma interação, dentro do Facebook (você se lembra disso?). É pelo acesso das APIs que a sua fintech favorita consegue acessar o seu Score do Serasa em tempo real e dizer se pode aumentar seu limite no cartão ou não. As APIs são responsáveis por permitir que o Canva, em sua versão premium, possa postar a arte recém-criada em diversas redes sociais simultaneamente.
Existem milhares de milhares de APIs por aí e todas têm um custo. Não quero, nem devo discutir isso. Além disso, tem questões envolvendo segurança de dados e privacidade. Por exemplo, o meu banco JAMAIS liberaria um acesso à API deles sem que eu pudesse comprovar que realmente estou sendo cuidadoso com os dados. Essas APIs fechadas são extremamente comuns. Porém, são igualmente comuns as APIs abertas e, em algum grau, “gratuitas”. Entre aspas, porque são nossos dados que “pagam” a API. E sabe quem entendeu isso e mantém acessos abertos? Facebook, Instagram, Pinterest, LinkedIn, YouTube, Telegram, TikTok e, até o dia 13 de fevereiro, o Twitter.
Sim, ele foi deixado por último no parágrafo anterior, pois é o motivo da minha crítica de hoje. E sim, eu estou sendo monotemático nos últimos dias. Um ecossistema enorme foi criado em torno da API do Twitter, com aplicações das mais variadas. O projeto 7c0 (recupera tweets apagados de políticos), Gado Decider (que diria se é ou não minion), o Thread Unroll (para transformar as threads em uma única página), o BaixaEssaPorra (para baixar vídeos), o Dólar Bipolar (monitoramento do câmbio de dólar), o Vi uma Vaga (que divulga vagas de TI que as pessoas encontraram), o Moa, MoveToDon e Fedifinder (que facilitam a migração do Twitter pro Mastodon), o Tweet Reminder (lembrete automático de tweets em algum momento do futuro), o Contador Queda (bot que lembrava quanto tempo faltava para acabar o governo Bolsonaro e agora realiza outras contagens), Bot Lutero (página que retweetava conteúdo sobre a reforma protestante)etc. A lista é enorme e eu poderia continuar citando sem parar. É um ecossistema construído em cima do Twitter, criando ferramentas que não existiriam originalmente. Uma gama completa de serviços. Serviços que usam o limite gratuito da API, justamente porque eram hobbies e ajudavam muitas pessoas. Tudo isso morrerá a partir de 13 de fevereiro (a data original era 9 de fevereiro), quando a API do Twitter passará a ser paga. Há uma tentativa de fazer a API ser write-only, com alguma limitação de tweets por mês ou algo do gênero, o que, em minha humilde opinião, não resolve.
Ao falar das motivações, Musk diz que é uma tentativa de tirar os bots de spam. Mentira. Mil vezes direi: mentira!
Falou também que as chaves são fáceis de conseguir e que isso facilitaria o spam. Outra vez: MENTIRA. No post sobre o Bot Lutero, eu demonstrei como foi difícil de conseguir esse acesso. Estava no processo de conseguir as chaves para uma conhecida, cuja página teria o mesmo sentido que o Bot Lutero e ela não foi liberada, mesmo as justificativas apresentadas sendo as mesmas.
Os tais bots que ele reclama, usam o Selenium, por exemplo, para fingir que os posts são de humanos. Isso era facilmente verificável quando havia o nome do app onde o tweet foi feito (Twitter for Web, Twitter for Android, Twitter for iPhone). Quando um tweet é feito por um bot, aparecia o nome do app, como “GadoDecider”, “Contagem regressiva”, “Moa”… Tirou os bots bons e deixou os ruins! E as duas “notícias” mais recentes são de que: poderá custar aproximadamente US$ 100 e que poderá ser gratuito para assinantes do Twitter Blue. “Notícias”, entre aspas, pois foram ditas no perfil do Musk, que como todos sabemos, não deve ser levado a sério.
Com todo respeito, eu me recuso a pagar US$ 100 numa API mal feita, com uma documentação porca, que não funciona adequadamente, difícil de conseguir liberação e que te bloqueia sem motivo aparente e sem comunicação.
Sabe a reclamação você faz/fazia para uma empresa e ela imediatamente atendia? É possível que isso deixe de existir na próxima quinta-feira. Atendimento via DM, a mesma coisa. Login via Twitter. Interação com as marcas. Sei que manter uma API tem seus custos. Mas esses custos já existiam e eram cobrados de grandes corporações, não de peixe pequeno.
O que o Musk (ainda) não percebeu é que fechar a entrada desse ecossistema quebrará o já combalido Twitter. Não trará mais dinheiro ou economia e sim afugentar os usuários. Sem os bons bots = menos conteúdo = menos engajamento = menos anúncios = menos dinheiro.
O que sobra disso tudo? Tristeza pela decadência da rede, de ver como está desmoronando bem diante de nossos olhos, pelas mãos do “gênio incompreendido”, do “defensor da liberdade”. Não creio que irá retroceder e, ainda que isso aconteça, talvez seja o momento derradeiro para dizer adeus. As boas lembranças ficam, apesar de a rede ir embora. Uma pena, uma tristeza sem fim.